domingo, 11 de outubro de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE XV



SÃO LUIS, 1873

Ele acordou com o som dos bentevis.

Ela ainda dormia, o braço enlaçado nele, os cabelos soltos espalhados pelo travesseiro, o respirar leve e a expressão terna que o fez sorrir; parecia que ela sempre revelava um algo mais, como se, a cada tempo, uma nova e encantadora parte dela se fizesse descobrir. 




Pensou no tempo. Fazia um ano e meio que estavam casados, desde que ele criara coragem para falar dos sentimentos dele, de início com pequenas e veladas mensagens, até que finalmente falou a ela do que sentia; esperava uma solene rejeição, mas foi surpreendido com o brilho nos olhos que só os apaixonados possuem; tiveram, porém, de esperar que o período de luto pela morte do pai terminasse e foi com alegria que a cerimônia se realizou, na Igreja da Conceição, onde amigos, companheiros de faculdade e antigos camaradas de armas se acotovelaram para vê-lo se casar com Agnes. A alegria agora era parte de sua vida; tudo o que vivera antes, a dor, os ferimentos e todo o sofrimento da guerra ficaram finalmente para trás;



SÃO LUIS, 1875

O telegrama chegou por volta de onze e meia.

Ele recebeu-o das mãos do estafeta e sentiu que algo que parecia ser um presságio.

Agnes embalava o pequeno Aurélio, enquanto Anna, a mais velha, estava sentada quieta ao lado do berço. A vida corria tranquila; Júlio trabalhava como advogado da Booth Line, companhia de navegação que era responsável pelo tráfego não somente comercial, mas de passageiros entre os portos ingleses e franceses da costa atlântica e os da costa brasileira, de Manaus e Belém até o Rio de Janeiro; tinha igual dedicação com a política local, sendo um dos delegados do Partido Liberal na cidade, com uma possível indicação para disputar a vereança. Embora visse os amigos entrarem nos clubes abolicionistas ou mesmo agremiações republicanas, evitava tomar parte, pois não queria nenhum envolvimento com algo que pudesse comprometê-lo de forma tão radical; pensava no pai, um franco partidário do equilíbrio.



Mas aquele telegrama pesava em suas mãos como um aviso.

Entregou o telegrama para Agnes, que o abriu sem pressa; ela pôs o bebê no berço e afagou a filha por alguns minutos antes de abri-lo; fê-lo em movimentos rápidos e correu os olhos pela mensagem; súbito, deixou que o papel escapasse de suas mãos e recostou na poltrona com as mãos no rosto, chorando e soluçando convulsivamente; ele procurou confortá-la, mas ela não conseguia se acalmar; ele procurou acalmar as crianças, que já se agitavam com o estado da mãe; pegou o papel do chão, leu-o e entendeu o porquê;



Mr. Charlton, seu sogro, que o tinha indicado para o cargo na Booth Line, tinha falecido numa epidemia de febre tifóide em Calcutá; o corpo tinha sido transladado para a Inglaterra e Agnes precisaria voltar a Sussex, onde ficava a propriedade do pai, para ouvir a leitura do testamento e organizar os negócios e propriedades.

Não se enganara; naquele pedaço de papel, estava o sinal de que o mundo dele estava por sofrer uma mudança que ele jamais poderia imaginar...

(Continua...)

Créditos das ilustrações: Google Images