domingo, 2 de agosto de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - O VELUDO VERMELHO - PARTE V



SÃO LUIS, PROVÍNCIA DO MARANHÃO, 01 de Maio de 1860

Caro Irmão

Que maravilha receber tua missiva! Estive imaginando o porquê de ficares de parcimônia em me escrever! Pensei que tivesse ficado zangado quando fiz menção de brigar contigo por causa de tua turronice quando fiz troça por causa de Marilia! No final, interesses acabam se encontrando; o Manduca Zacarias desistiu de vez de mim e arrastou a asa para ela, que , ao que se conta, já está cantando aos quatro ventos o noivado! Bom, assim as coisas se aquietam...

Espero que possas escrever de melhor lua, pois quero te ver sorrindo , sem essa de ficares macambuzio a cada tempo; sei que tens afinco em teus estudos e isso não te dá dores de cabeça; o que, então , te deixa assim tão triste? Espero que não seja por minha causa...

Te conto aqui um mexerico que peguei de uma amiga, a Cecília, cujo pai é escrevente do Tribunal da Relação, mas que o papai vai contar em breve; porém, não resisti e te conto de primazia: ele está pra ser nomeado Juiz de Paz, por merecimento!!! Quase o meu coração parou; nosso pai é um homem honrado e reconhecido como advogado, e é mais do que merecida a nomeação, mas não dê a entender que já sabes quando for escrever, viu? Segredo de irmãos...deixe ele te passar a notícia.

Não tenho muito mais o que comentar, apenas conversa de mulher, que tenho certeza não te interessa; não deixe de mandar notícias, meu irmão, e que Deus te guarde..

Beijo Afetuoso em tuas faces
Da tua irmã
Amália


SÃO LUÍS, PROVÍNCIA DO MARANHÃO , 15 de Maio de 1860

Caro Filho

Escrevo para saber novas de ti; não entendi até agora por que as curtas notas que enviaste, como que estivesses sem assunto ou sem vontade de conversar; minha preocupação de pai é sempre no teu bem, jamais o oposto; quero apenas saber se as coisas vão em bons ventos, se os teus estudos estão em ordem e, principalmente, se tens feito tuas coisas direito; sei bem como é isso, já tive meu tempo de moço, com a cabeça cheia de ideias e sonhos e com todo o brio; mas temos de tomar tenência em nossas vidas e tomar nossas decisões para o nosso próprio bem;

Aqui na cidade, ao que parece, a calma reina; Cândido Mendes enfim assumiu a cadeira de deputado geral, mesmo com todo o dinheiro e as ameaças do coronel Izidoro; o mais novo rebuliço é o pipocar dos clubes abolicionistas, onde se misturam estudantes, jornalistas e alguns mais que começam a incomodar; a guarda já fechou alguns desses antros, mas no fechar de um, abrem-se outros; lembra do teu colega Juca Monforte? Aquele biltre fundou um desses valhacoutos e ganha cada vez mais gente para o lado dele! Nem rapou a primeira penugem e já se faz fumaças de líder; acreditas que tem gente que quer que ele seja vereador? Ora vamos! Um insolentezinho desses de assento na Câmara! Ora essa! U’a malta é o que eles são! Até o forro Elesbão, que tua mãe fez o favor de fazer liberto como vontade de testamento, anda a desfeitear todos! Para onde vamos desse jeito?

Bom, meu filho, deixe esse meu destempero de lado e procure dar acerto na vida; aqui fico esperando carta mais longa tua, pois apenas deixas um coração apertado de pai quando tens tanta parcimônia de palavras;

Só para contar a ti, fui nomeado Juiz de Paz do distrito de Anindiba, próximo do arraial da Maioba; assumi o posto há uma semana; novas coisas se revelam para mim, mas tenho certeza que minha fé me guiará no caminho certo. Espero que fiques contente com as boas novas e mande notícias logo.

Deus Te Guarde, Meu Filho
Abraço Afetuoso e minhas preces
Teu Pai 

Aurélio


RECIFE, PROVINCIA DE PERNAMBUCO, 06 de junho de 1860

Caro Pai

Por primeiro, aceite minhas escusas por delongar a resposta da carta que me enviaste mês passado; a razão da demora era porque eu estava acamado com uma forte constipação, que acabou quase virando pneumonia; tive de enfrentar aqueles terríveis sanapismos de mostarda, ventosas e  só não me sangraram porque me recuperei logo; assim, esta é uma carta para compensar as notas curtas que mandei; não queria apoquentá-lo com coisas que achei que fossem tolas, mas no final quase me abateram.

Fiquei muito feliz e orgulhoso com a sua nomeação a Juiz de Paz; o senhor indubitavelmente merece o posto, pois sempre foi um advogado de amplo domínio da prática e nada mais natural que o senhor fosse nomeado; me causaria estranheza se não fosse.

A situação é a mesma aqui, pai, mas com tintas mais fortes; há quem diga que alguns clubes abolicionistas estão organizando expedições para libertar escravos de fazendas e conduzi-los a quilombos ou mesmo para refúgios fora da província; a guarda aqui tenta recapturá-los sem muito sucesso.

Um colega aqui, o Jonas Almada, chegou recentemente da América. Tinha ido estudar leis, mas voltou porque o país está em estado de guerra civil, causada pela discussão sobre a escravidão nos territórios do sul; pois, segundo o que ele me disse, o sul está em guerra com o norte por essa razão; ouvi o relato dele e fiquei pensando: “tomara que não cheguemos a ponto de guerrear por escravos”

Continuo os estudos com afinco; quando estava acamado os colegas me ajudavam com os compêndios na cama; não fiquei atrás em nada, nem mesmo em direito romano, que, confesso, não ia muito bem; mas não levei bomba em nenhuma cadeira, isso eu posso garantir.

Não tenho mais para contar, meu pai, a não ser que os exames para o terceiro ano estão chegando e terei de me preparar bem, espero passar com boas notas.

Algo mais: minha próxima carta virá por um de meus amigos daqui, um paraense chamado Antônio Ribeira; ele deve resolver algumas coisas pessoais em Belém e passará por aí; se puderem fazer algo por ele, tenho certeza que ficará muito grato 

Recomendações e suas preces
Do seu filho
Júlio


RECIFE, PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO, 13 de Junho de 1860

Cara Irmã

Imagino que o nosso pai já deva ter contado a razão de eu me demorar tanto a escrever; não queria imaginar-te arfando pelos cantos em angústias e inquietudes; me feriria muito saber que ficaste assim; por isso não foi por turronice ou parcimônia, mas porque o teu irmão estava acamado e não queria te preocupar.

Com que então o Manduca Zacarias se arranjou com a Marília? Que bem arranjados fiquem; não me apoquenta qualquer coisa vinda deles; talvez, mesmo, bem se mereçam no fim das contas;

Me contes, recebeu o livro do Joaquim Manuel de Macedo que te enviei? Ele está a ser a sensação da cidade; recebi o exemplar do Rio de Janeiro e li-o de um fôlego só; é bom, mas acho que as moçoilas vão apreciá-lo mais; aqui os rapazes pelejam para memorizar poesia para fazer firula, mas fico a ver o ridículo disso; não me tome como sem sentimentos, mas é que tais coisas não me apetecem no presente momento. Espero que tudo esteja às boas e que apenas alvíssaras cheguem à nossa casa. Mande minhas recomendações aos amigos daí se os encontrar em tempo.

Terei mais o que contar na próxima carta; agora estou melhor, poderei escrever mais e contar mais coisas daqui; fique com o meu amor fraterno e minhas preces

Beijo afetuoso do teu irmão
Que te ama extremosamente
Júlio