domingo, 31 de maio de 2015

CONTOS DA GUERRA ESQUECIDA - BELÉM PARTE II


O interfone tocou exatamente à seis e meia...

Ela já estava pronta, com um vestido de algodão leve e sapatos de salto baixo, que combinavam com a bolsa despojada; fazia calor apesar da chuva de horas antes e ela decidiu por uma roupa mais confortável. Tomou o elevador e, no saguão, o motorista já a esperava.

A Estação das Docas a surpreendeu. Um antigo conjunto de armazéns que se tornou um centro cultural e uma área de entretenimento no centro da cidade, era um espaço que irradiava leveza e arrojo; ela examinou com olhar profissional cada detalhe da construção; os espaços bem arranjados, a harmonia e a simetria do conjunto chamaram a atenção, especialmente o palco suspenso, que se deslocava em toda a extensão do local através de um trilho elevado, dando um original efeito de música ambiente; escolheu uma mesa de onde pudesse vislumbrar todo lugar, pediu ao garçom uma caipirinha e esperou.



Emília chegou quinze minutos depois, vestindo um conjunto de calça e camisa bege e saltos altos; esquadrinhou as mesas vendo se localizava Eliza; quando a viu, acenou efusivamente, sorrindo enquanto se dirigia à mesa onde ela estava.
- Que bom que vieste – disse Emília, ainda com um sorriso no rosto – mas não falemos de negócios agora; vamos curtir o ambiente e conversar um pouco sobre outros assuntos.


Falaram quase duas horas sobre muita coisa, desde velhas amizades de faculdade, antigos colegas e o casamento de Emília, que foi na época o grande acontecimento; ela e Eliza não eram tão próximas naquele tempo, o que fez com que a conversa fosse quase um monólogo, com Emília desfilando acontecimentos não muito lembrados por Eliza, que às vezes dava sorrisos forçados no meio do quase monólogo; gostou demais do local, mas a companhia estava por demais difícil; num movimento para desviar o assunto, pediu um favor a Emília.

- Você pode me emprestar seu motorista para amanhã? Queria dar uma volta pela cidade; depois poderemos conversar sobre o projeto.
- Você manda! Que horas quer que ele apanhe você?
- Poderia ser pelas dez da manhã? Eu agradeceria muito.
- Com certeza! Ele igualmente vai levar alguns croquis, para que depois possas dar uma olhada; podemos marcar a conversa de negócios para depois, tudo bem?
- Sem problemas, eu agradeço muito.

Tomou um taxi de volta ao apart e tentou organizar as ideias para saber bem o que fazer no dia seguinte; no envelope deixado pelo pai, constava um endereço no centro da cidade, que parecia aparentemente fácil de localizar; iria tentar fazê-lo no começo da manhã. Chegou no apartamento e tratou de tomar um banho para relaxar; assistiu um pouco da programação televisiva local e, minutos depois, adormeceu.

Eram mais ou menos cinco minutos para as dez quando o interfone tocou, o porteiro avisando que o motorista estava à espera; já pronta, tomou o elevador sem demora e o encontrou no saguão; era um motorista diferente do primeiro; tinha a expressão mais solta, diferente do sisudo que a recebera no aeroporto; se apresentou como Jeremias Belo, motorista pessoal de Emília.
- Bom dia senhora – disse com um sorriso espontâneo – seja bem-vinda. A dona Emília disse que a senhora vai precisar de mim o dia inteiro; ela pediu que deixasse isso com a senhora, pra ver depois
- Muito obrigado - respondeu ela, recebendo os croquis e deixando na portaria – o senhor conhece bem o centro da cidade?
- Nascido e criado aqui em Belém, senhora; eu era taxista defensor antes de começar a trabalhar para Dona Emília; onde a senhora quiser ir eu levo.
Ela então puxou um pedaço de papel do bolso da calça e mostrou a ele; o motorista sorriu em resposta.
- Conheço esse lugar sim senhora. O quarteirão é o único pedaço do lugar que não virou prédio; posso levar sim, a senhora lá.

- Eu agradeço muito Jeremias; é um assunto de família que tenho de resolver,
Ela entrou no carro e acomodou-se no banco da frente, para espanto de Jeremias, que nunca tinha visto a patroa sentar na frente; “cada um com seu cada um”, pensou, lembrando do genro, carioca como a amiga de sua chefe.



A avenida Almirante Tamandaré estava com o trânsito cheio, mas fluía bem; os prédios já faziam cada vez mais presença na cidade, misturados com algumas casas antigas ainda sobreviventes; prestando atenção nos números da avenida, logo divisou um grupo de casas geminadas antigas, que pareciam fazer parte de uma antiga vila; bem conservadas, alguma tinham caramanchões e vasos com plantas ornando as janelas. Jeremias então apontou para a última da calçada, pintada de azul claro, com a moldura branca nas janelas.
- O número é esse, senhora; se a senhora quiser eu posso bater lá pra ver se tem gente.
- Não precisa Jeremias, eu mesmo vou; mas obrigado da mesma forma.

Desceu do carro e se dirigiu à porta, de onde bateu palmas; minutos depois, uma jovem de cabelo curto, pele morena e olhos amendoados apareceu na janela; olhou de cima a baixo a mulher do lado de fora.
- Bom dia! É aqui que mora dona Albertina Ribeira?
- Ela não mora mais aqui não; ela se mudou ano retrasado, mas posso chamar minha tia, que foi quem comprou a casa dela.

A jovem entrou sem pressa. Enquanto isso, Jeremias estacionava o carro em uma esquina próxima. Cinco minutos depois outra mulher, de olhos verdes e cabelos cacheados, apareceu na janela com um ar curioso.
- Desculpe, senhora, mas minha madrinha não mora mais aqui, ela me vendeu a casa e se mudou; o que a senhora deseja com ela?
- É um assunto do interesse dela, pois o meu pai era conhecido de sua madrinha e deixou algumas coisas em testamento – respondeu, apenas em parte – tenho de saber do paradeiro dela.
- Espere um minuto, eu vou abrir a porta – saiu apressada
Ela desceu e abriu o portão, pedindo que Eliza entrasse. Abriu a porta e ofereceu uma cadeira, mas ela não tinha muita intenção de se demorar;
- A sua sobrinha me disse que ela se mudou ano retrasado; eu poderia saber para onde ela se mudou? É muito importante
- Claro que sim. Ela vendeu a casa porque não queria ficar no meio dos prédios. Eu disse pra ela que ela podia pegar um bom dinheiro, mas ela não quis me ouvir; as construtoras já me ofereceram muito pela casa mas eu prefiro esperar pra ver o preço subir. Eu sei o endereço novo dela; espere um minuto

Elisa examinou o interior da casa, vendo os móveis desarrumados e as roupas espalhadas pela casa; a jovem que a atendera primeiro estava deitada no sofá, ouvindo rádio com os fones no ouvido; tudo recendia a desleixo e displicência. A tia retornou com caneta e papel, anotando o endereço numa letra arredondada e grande
- Está aqui; espero que ela esteja bem, não nos falamos desde então; diga a ela que mande notícias.
- Eu direi, não se preocupe.
Ela saiu da casa e lá estava Jeremias, encostado no carro, como se antecipasse a saída.
- A senhora descobriu o que queria?
- Mais ou menos, Jeremias; você conhece esse lugar? – perguntou, mostrando o endereço ao homem.
- Opa se não, senhora! Morei muito tempo na Lomas Valentinas, no bairro da Pedreira, e conheço ainda bastante gente lá; a senhora quer ir agora?
- Quanto mais cedo melhor, com certeza.
Entrou no carro ansiosa, pois logo começaria a desvendar a história dessa tão misteriosa mulher na vida de seu pai...



Imagens: Google/Flickr

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